Garantido celebra diversidade religiosa na segunda noite do Festival de Parintins

Garantido celebra diversidade religiosa na segunda noite do Festival de Parintins Foto: Marcondes Maciel Notícia do dia 30/06/2018

O boi Garantido apresentou na segunda noite do Festival Folclórico de Parintins 2018 uma celebração a diversidade cultural e principalmente religiosa, na noite de sábado, 30 de junho.

 

No palco do espetáculo do Garantido, a arena do bumbódromo, a diversidade foi retratada como um dos principais mecanismos que permitem a proliferação e manutenção da vida em nosso planeta e herança comum da humanidade.

 

No primeiro ato da apresentação o bumbá exaltou a luta de várias etnias em defesa de suas identidades, e no segundo um espetáculo de resistência em defesa das diferenças, do respeito e da tolerância.

 

“Exaltaremos as diversas cores, crenças e culturas que resistem ainda hoje e são responsáveis pela riqueza do mosaico humano do nosso país. Acreditamos que a diversidade mexe, muda e transforma a construção histórica de uma sociedade. As religiões de matrizes africanas, as crenças dos povos Indígenas e outras formas de crer oriundas de várias partes do mundo compõem um cenário religioso multicolorido no Brasil”, disse o apresentador Israel Paulain no texto do projeto de arena.

 

Na sinopse de contextualização e fundamentação do subtema “Diversidade e Resistência” apresentado na segunda noite, o Garantido defende a necessidade de resistir culturalmente contra a intolerância religiosa, uma das mais antigas formas de discriminação e preconceito.

 

Os ritos e celebrações indígenas, os batuques dos terreiros, as orações dos caboclos sacacas e as promessas enriquecem a cultura brasileira.

 

“Celebraremos hoje também a diversidade oriunda da trajetória de resistência das diversas etnias que contribuíram com a formação social e cultural brasileira e da Amazónia.

 

Em nosso espetáculo, a resistência e a diversidade cultural estão representadas nas lendas de seres encantados, como a Matintaperê, nas danças tribais e nas referências aos folguedos juninos, que preservam na sua apresentação modalidades de danças com raízes indígenas, africanas e dos povos europeus.

 

Exaltaremos as diversas formas de ser, crer e de agir, em favor de uma sociedade justa e diversa”, afirma o discurso do bumbá.

 

CELEBRAÇÃO FOLCLÓRICA | CORES DA FÉ

Na primeira alegoria de Celebração Folclórica “Cores da fé”, do artista Rogério Azevedo, a figura da sinhazinha da fazenda Djidja Cardoso surgiu em uma base alegórica para sua evolução na arena. A sinhazinha nesse contexto representa o sincretismo religioso afro-cristão, personificada na Orixá lensã. Em uma rápida transformação, a Celebração Folclórica se tornou uma alegoria de Figura Típica Regional “Caboclos Sacacas”, de onde surgiu a porta estandarte Edilene Tavares. Na evolução da alegoria foi executada a toada Cores da Fé, que concorreu como Toada, Letra e Música.

 

Fundamentação - “A fé que serviu aos colonizadores se transfigurou com as potências espirituais míticas indígenas e negras e hoje é a força que move e alimenta a resistência em defesa da vida e da liberdade, em defesa da igualdade de direitos e da diversidade racial e cultural, de costumes e comportamentos.

 

As cores da fé representam o direito de ser diferente, sem aceitar, entretanto, as desigualdades sociais advindas com os males dos preconceitos da colonização. As cores da fé são as cores do sincretismo religioso, as cores da tolerância, do respeito mútuo, da convivência pacífica, da esperança de que o sentido universal da vida seja apenas o direito à felicidade humana.

 

As cores da fé são as cores da bandeira de luta, especialmente, contra a intolerância religiosa que tem mantido, pelo mundo, nações em conflitos, que tantos males têm causado à humanidade.

 

O Garantido celebra â fé como tradição e composição da alma cabocla de Parintins, cuja história é visivelmente marcada pela religiosidade imposta pela colonização cristã europeia, pelas crenças dos africanos trazidos escravizados e pelas celebrações dos ritos espirituais indígenas”.

 

FIGURA TÍPICA REGIONAL | O CABOCLO SACACA

A figura típica trouxe a porta estandarte Edilene Tavares que personificou neste contexto o saber ancestral. A vaqueirada fez sua evolução.

 

Fundamentação - O Caboclo Sacaca é uma figura humana, tipicamente amazônica, que representa as diferentes crenças que compuseram a identidade cultural religiosa dos povos da floresta, cujo sincretismo do culto de fé é herança, principalmente, da ancestralidade negra e indígena. O Sacaca, nem é Pajé, nem Pai de Santo, mas um humilde curador popular, com o dom de curar através de forças espirituais e ervas medicinais.

 

O Sacaca é uma pessoa escolhida para incorporar espíritos ancestrais de antigos Pajés, que conhecem múltiplos mundos e são a chave dos bens da cura e dos males da doença, da vida e da morte.

 

Sua convivência com o mundo das encantarias, com seres sobrenaturais encantados no mundo submerso dos rios, faz parte de sua estrutura cultural.

 

Segundo os Sacacas, os espíritos dos antigos Pajés da Amazônia, vivem em cidades encantadas no fundo dos rios, onde habitam seres fantásticos de cores e formas que só eles, os Sacacas, podem ver. Chamados de "bichos do fundo’’, esses seres fazem parte do imaginário cotidiano da Amazônia. Os Sacacas dizem existir uma "cidade do fundo", sob a ilha de Parintins.

 

BOI DA PROMESSA | TRIBUTO A LINDOLFO MONTEVERDE

No segundo ato na arena do bumbódromo o Garantido apresentou a alegoria “Boi da Promessa”, do artista Vandir Santos, tendo com trilha sonora a toada Desejo de Catirina, interpretada por Márcia Siqueira. No momento apoteótico da performance da alegoria surgiu o Boi Garantido com o tripa Denildo Piçanã para concorrer ao item boi-bumbá evolução e na sequencia os tuxauas, o pajé André Nascimento, além da tribos coreografadas.

 

Fundamentação - Símbolo da resistência cultural na Baixa do São José, área remanescente da transfiguração entre negros e índios em Parintins, Lindolfo Monteverde foi o grande mestre do folclore do seu tempo, numa época em que o entretenimento dependia da criatividade e da determinação daqueles que decidiram, como ele, enfrentar, com inteligência, os preconceitos contra as manifestações populares de cultura.

 

De tradição católica fervorosa, herdada de sua mãe Alexandrina, dona Xanda como ficou conhecida. Mestre Lindolfo Monteverde, a partir de uma doença adquirida nos seringais do rio Jatapu, na região de Parintins, fez uma promessa a São João Batista que, se ficasse curado, manteria a brincadeira do seu boi até o fim de sua vida.

 

Curado, Mestre Lindolfo manteve a promessa até a sua morte no dia 5 de julho de 1979. O fato virou tradição e o Garantido virou o Boi da Promessa que, ainda hoje, é mantida pela sua família e pela comunidade, que levam o Garantido todo ano, no dia 24 de junho, para brincar nas ruas da cidade em louvor a São João, o santo da promessa de Lindolfo.

 

Descendente de negros vindos do Maranhão, Mestre Lindolfo Monteverde foi um humilde pescador que dedicou sua vida à arte de brincar boi e de manter viva as festas, danças e folguedos, tradições oriundas de suas origens ancestrais.

 

Construiu com as próprias mãos o seu Boi Garantido, dando a ele forma e os primeiros movimentos de um boi real, fazendo mexer as orelhas e o rabo, causando grande admiração na comunidade.

 

Embora se reconheça as contribuições externas, principalmente nordestinas, que  influenciaram na criação do Boi Garantido, coube à criatividade de Mestre Lindolfo moldar uma brincadeira de boi com características próprias de Parintins, transformando o bumba-meu-boi em boi bumbá, com ritmo e peculiaridades por ele introduzidas.

 

LENDA AMAZÔNICA | MATINTAPERÊ

A quarta alegoria a entrar no bumbódromo foi Lenda Amazônica “Matintaperê”, do artista Roberto Reis que trouxe a rainha do folclore Branda Garcia em uma mistura de dança com a celebração indígena. Branda neste contexto de lenda representou os mitos e lendas do folclore brasileiros, personificada em Matintaperê.

 

Fundamentação - A lenda da Matintaperê tem origem na herança cultural indígena, repassada pela tradição oral, que alimenta o imaginário não só dos povos da Amazónia, mas de todo o Brasil. Inserida no mundo mítico e fantástico da superstição; onde gente vira bicho ou bicho vira gente, na escuridão da noite, a Matintaperê é uma lenda ainda recorrente, principalmente, nas cidades do interior.

 

Segundo a lenda, a Matintaperê é uma velha senhora do mundo das encantarias que se transforma em '”rasgamortalha”, uma coruja agourenta no imaginário dos caboclos da região. Invisível e em metamorfose no meio da noite, a Matintaperê se manifesta sempre numa grande ventania, provocada por suas asas, que varre a copa das árvores e o chão da floresta.

 

De assobio assustador e arrepiante, a Matintaperê causa medo, assombração e pavor, sobretudo, nas crianças que vivem nas palafitas ribeirinhas ou nos tapiris das comunidades rurais.

 

Com conhecimentos repassados por velhos curandeiros, para quebrar o encantamento da Matintaperê recomenda-se enterrar uma tesoura, um crucifixo e uma chave por onde ela passa.

 

É preciso também oferecer tabaco a ela e esperar o dia amanhecer, quando ela virá atrás do fumo, revelando assim a identidade da velha e assombrosa senhora.

 

Em Parintins, a lenda da Matintaperê é conhecida, simplesmente, como Matin e foi muito recorrente na cidade até o advento do desenvolvimento e da modernidade.

 

Com o passar do tempo, a lenda acabou se mantendo mais nas comunidades rurais, onde a superstição ainda prevalece e falar da Matintaperê é sempre uma forma de amedrontar, especialmente as crianças para não saírem à noite, porque podem ser levadas pela velha senhora metamorfoseada em Matintaperê.

 

CELEBRAÇÃO INDÍGENA | PURICI-ÇÁUA 

 

Esse ato contou com a participação das tribos Tupinambá.

 

Fundamentação - Puraçi-Çáua é uma celebração que exalta a diversidade cultural dos povos indígenas do Brasil, através das tribos, Marajoara, Sateré-Mawé, Kaa'por, Kadiwel, Maku e Dessana, das regiões do Amazonas, Maranhão e Mato Grosso, que revelam em suas danças e símbolos sagrados a força da sua resistência para assegurar a manutenção de suas riquezas: cultural, social e histórica.

 

O momento simboliza as 305 etnias falantes de 274 línguas indígenas ainda existentes atualmente no país, que juntas representam a grande diversidade que faz do Brasil uma nação pluricultural, com visão de mundo, cosmologia, ritos, língua e identidades específicas.

 

Na Celebração Tribal Puraçi-Çáua, as tribos do boi Garantido festejam as identidades que caracterizam a diversidade dos povos nativos e a resistência de seus antepassados ao processo de homogenização, por muito tempo desenvolvido no Brasil, por imposição do Diretório dos índios, através do qual. Marquês de Pombal proibiu o uso das línguas indígenas. A comunicação passou a acontecer somente em língua portuguesa em todo o território brasileiro.

 

Apesar de todo esse processo de repressão, as etnias mantiveram sua autonomia, enfrentando imposições e sustentando a pluralidade das culturas nativas no país.

 

O Puraci-Çáua é uma grande festa em que os índios dançam com toda a alegria que caracteriza a autoestima de todos os povos indígenas do Brasil, apesar de todas as violências e opressões sofridas desde o início da colonização.

 

Dançar na cultura indígena, hoje, é um ato de resistência, uma maneira de expressar toda a sua força cultural.

 

Danças das penas, em Tupi, Puraci-Çáua revela que a identidade indígena está intimamente ligada à arte de adornar o corpo com penas coloridas de pássaros, que representam, para eles, a liberdade.

 

RITUAL INDÍGENA | INICIAÇÃO MARUPIARA

Como o último ato alegórico o boi da Baixa de São José apresentou a alegoria de Ritual Indígena “Iniciação Marupiara – Munduruku”, uma celebração indígena Ameríndia, do artista Marialvo Brandão. Neste momento surgiu a cunhã-poranga Isabelle Nogueira transfigurada de guerreira Munduruku e o pajé André Nascimento.

 

Fundamentação - O povo Muduruku vive na histórica área cultural da Mundurukania, no médio rio Tapajós, no estado do Pará e nos rios Canumã e Marí-Marí, afluentes do rio Madeira, no Estado do Amazonas.

 

Marupiara é um Ritual Munduruku de passagem, conduzido pelo Pajé da tribo, para iniciação de menino em guerreiro. Para isso o menino iniciado é obrigado a enfrentar sete provas físicas, intelectuais e psicológicas.

 

Durante dois meses o menino é levado para a mata, onde é submetido às provas, tendo de enfrentar sete caminhos mortais da floresta: a maloca dos espíritos, o temido serpentário, a toca da tucandeira, o nicho do jaguar, a cachoeira do inferno, a praia do jacaré e o remanso das piranhas.

 

Durante o rito cerimonial ele recebe orientações dos anciãos da aldeia, para vencer os desafios. São ensinamentos ancestrais deixados por Kairu-Sakaibu, herói cultural do povo Munduruku, desde a criação do mundo. O rito de iniciação é necessário para que os meninos sejam preparados para enfrentar as provas da vida real e terem sorte na caça, na pesca e no amor.

 

O ritual é encerrado com a superação das provas pelo iniciado que é recebido com festa pelos seus familiares no terreiro da aldeia. Ele recebe, então, das mãos do Pajé um cocar de penas de arara vermelha e a marca da lua nova na testa, feita com tintura da erva "Cumacaá", como prova de que se tornou um novo guerreiro da tribo. O novo guerreiro recebe, ainda, como prémio, sete virgens para amar, e o direito de escolher uma delas para ser sua mulher.

 

Marcondes Maciel | Repórter Parintins

Tags: