Por João Baptista Herkenhoff*
O Papa Francisco autorizou que todos os padres da Igreja Católica possam perdoar o aborto. Com esta decisão, quem fizer aborto – médicos e pacientes – não será mais excomungado pela Igreja.
Francisco recomenda que os casos sejam analisados à luz da misericórdia divina. Ressaltou o pontífice que a misericórdia é um valor social. Deve devolver dignidade a milhões de pessoas. Ninguém pode impor condições à clemência de Deus.
Feito este preâmbulo, exponho minha opinião.
Sou a favor da Vida. Contra a pena de morte e a guerra. A favor de políticas públicas que favoreçam o parto feliz e a maternidade protegida. Contra a falta de saneamento nos bairros pobres, causa de doenças e endemias que produzem a morte.
Discordo da percepção limitada dos que reduzem a defesa da vida à proibição do aborto. Abomino a hipocrisia dos que sabem que a defesa da vida exige reformas estruturais, mas resumem o tema a um artigo de lei porque as reformas mexem com interesses estabelecidos e ofendem o deus dinheiro. Sou contra o pensamento dos que não admitem o aborto nem quando praticado por médico para salvar a vida da mãe, mas aceitariam essa opção dolorosa se a parturiente fosse uma filha. Sou contra a opinião que obscurece as medidas sociais, pedagógicas, psicológicas, médicas que devem proteger o direito de nascer. Reprovo a opinião dos que lançam anátema contra a mulher estuprada que, no desespero, recorre ao aborto quando, na verdade, essa mulher deveria ser socorrida na sua dor. Se não tiver o heroísmo de dar à luz a criança gerada pela violência, seja compreendida e perdoada.
Hoje debato esta questão doutrinariamente. Quando fui Juiz, eu me defrontei com o aborto em concreto. Lembro-me do caso de uma mocinha. Quase à morte foi levada para um hospital que a socorreu e comunicou depois o fato à Justiça. O Promotor, no cumprimento do seu dever, formulou denúncia, que recebi. Designei interrogatório. Então, pela primeira vez, eu me defrontei com o rosto sofrido da mocinha. Aquele rosto me enterneceu. As testemunhas informaram que a acusada toda noite embalava um berço vazio como se no berço houvesse uma criança. No mesmo instante percebi o que estava ocorrendo. Disse a ela, chamando-a pelo nome:
“Madalena (nome fictício), você é muito jovem. Sua vida não acabou. Essa criança, que estava no seu ventre, não existe mais. Você pode conceber outra criança que alegre sua vida. Eu vou absolvê-la mas você vai prometer não mais embalar um berço vazio como se no berço estivesse a criança que permanece no seu coração. Esse gesto de embalar o berço mostra que você tem uma alma linda, generosa, santa. Você está livre, vá em paz.”
*é Juiz de Direito aposentado (ES), professor aposentado (UFES), palestrante em atividade, escritor (quinquagésimo livro – ABC dos Direitos Humanos deve ser publicado neste ano).
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