Avanço humano sobre o verde sufoca a Ilha

Construções imobiliárias são apontadas por especialistas em meio ambiente como causadores de derrubada das reservas de florestas

Avanço humano sobre o verde sufoca a Ilha Fotos: JRP Notícia do dia 02/02/2015

O desmatamento avança sobre as últimas reservas de áreas verdes nas comunidades ao redor da Ilha Tupinambarana, com o crescimento desordenado da expansão urbana e grandes projetos de construções imobiliárias. Após a polêmica obra do conjunto Residencial Vila Cristina, com derrubada de mais de 100 castanheiras centenárias no ano de 2010, a empresa NV Construtora planeja obra do primeiro condomínio de Parintins na Área de Proteção Ambiental (APA) do areal do campo grande, em frente ao Aeroporto Municipal Júlio Belém.

 

Em um campo localizado na Rodovia Eduardo Braga, na curva próxima ao aeroporto, atrás do areal, o proprietário pretende lotear o terreno para comercialização. O geógrafo Estevan Bartoli, professor do Centro de Estudos Superiores de Parintins (Cesp), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), observa a situação da perda de vegetação primária e secundária com olhar direcionado ao processo de crescimento urbano. “Temos um rápido loteamento das áreas que eram fazendas para transformação em bairros, sem o devido cuidado de manter a mínima área verde”, avalia.

 

Fazendas se transformam em bairros

O pesquisador afirma que atualmente ocorre um grande ciclo de especulação imobiliária em Parintins. “A gente chama de cidade extensiva, ao mesmo tempo que as áreas centrais e bairros consolidados, tem uma vacância de lotes muito grande”, afirma Bartoli. Ele cita o descumprimento do estatuto da cidade que coloca que “área vaga consolidada tem de ser sobretaxada, ter Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo. Os lotes vagos incentivam que a cidade se expanda”, ressalta.

 

Com a expansão, fazendas são transformadas em bairros. “Sai mais caro em vários sentidos. Você tem que levar infraestrutura para esse bairro novo: água e energia. Esse bairro novo era pasto ou áreas de florestas. Entendo essa perda de áreas verdes a partir dessa ampliação da área urbana e desse ciclo de especulação imobiliária. A gente não pode falar nisso, sem deixar de levar em consideração que pequenas elites das cidades se aproveitam dessa expansão urbana, sem ter a formação de APA”, indica.

 

A única área de proteção regularizada de Parintins, mas ainda como APA, considerada uma categoria aberta e flexível, é o areal do campo grande. O professor da UEA denuncia a destruição da área por conta da retirada ilegal de área, assim como a exploração de barro para aterro do lixão. “Não podemos pensar sobre essa crítica situação do cinturão sem falar a reprodução do capital imobiliário especulativo. Tem de pensar no papel ecológico que essas áreas têm no micro clima da cidade”, pontua.

 

Estevan Bartoli ressalta a pouca arborização da cidade de Parintins e a importância do cinturão verde de biodiversidade ao redor da Ilha para a troca genéticas de espécies como na região do areal onde existe população de macacos muito significativa. “Não pode isolar as espécies. Se você isolar os símios em manchas, passam a não se reproduzir, não ter troca genética. Você tem de criar cinturões e corredores para haver troca genética entre as espécies, mas isso não ocorre”, pondera.

 

Desmatamento descontrolado

O biólogo Ronaldo Medeiros, especialista em educação ambiental e ex-secretário municipal de meio ambiente de Parintins, destaca que a preocupação é muito pouca em relação ao cinturão verde da cidade e há um desmatamento descontrolado, sem a devida fiscalização dos órgãos de proteção ou até mesmo licenciamento. “A parte do areal e onde se instalou o loteamento Pascoal Alaggio ainda tinham uma área extensa de verde, mas hoje se autodestrói”, assinala.

 

O ambientalista expõe que no loteamento Teixeirão existe floresta para se conservar e realizar projetos de compensação ao meio ambiente. Ele lembra da época de titular da Secretaria de Meio Ambiente e que o proprietário do loteamento doaria ao município, se a Prefeitura de Parintins se comprometesse em licenciar, uma área de 36 hectares. “Elaboramos um projeto para o horto municipal. Só que não houve entendimento da Prefeitura com o empresário porque lá é uma área de castanhal”, frisa.

 

Ronaldo Medeiros enaltece que a castanheira da Amazônia é protegida por Lei Federal, mas a Prefeitura de Parintins poderia entrar sim com a desapropriação do loteamento Teixeirão para implantar o horto municipal. “O município não possui e lá é uma área grande. Nosso projeto em mente contava com ciclovias, locais de visitação pública, laboratórios”, defende, ao argumentar que os desmatamentos se dão em virtude das construções imobiliárias e não pela criação de gado.

 

O especialista em educação ambiental e conselheiro de meio ambiente, Edilson Albarado, percebe ser preocupante que desde 2007 tem aumentado a retirada da vegetação existente no entorno da Ilha de Parintins. “Isso pode trazer consequências gravíssimas para a população de Parintins. Uma das alternativas a ser pensada é fazer o zoneamento ecológico na área urbana. É preciso para definir as áreas que ainda podem receber construções, retirada a vegetação e preservadas”, analisa.

 

Segundo o especialista, se não houver uma preocupação do Poder Público Municipal nesse sentido, a Ilha já sente os impactos do desmatamento, com os ventos mais fortes dentro da cidade porque não tem mais vegetação de proteção. De acordo com Edilson Albarado, áreas que proporcionavam clima agradável foram retiradas e a temperatura tem se elevado em Parintins. “Ninguém se dá conta disso. Mais grave ainda é a destruição das nascentes na área urbana. São contadas as existentes”, desabafa.

 

Para ele, a água pode ficar imprópria ao consumo, assim como em São Paulo, apesar da abundância na região. “Essas situações precisam de reflexão do Poder Público, empenho e vontade política da Câmara Municipal para regulamentar aquilo já previsto no Plano Diretor e na própria Lei Orgânica. Indica que as áreas próximas as margens dos rios são APA e precisam ser preservadas. A partir daí, sai do discurso e ir para a prática. Você conta em Parintins as áreas verdes de matas secundárias”, alerta.  

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