Festival de Parintins dos causos, histórias e saudade

No contexto Festival Folclórico, existem muitos casos, fatos, causos e piadas de inúmeras pessoas que também fazem parte dessa história desde o início do seu apogeu

Festival de Parintins dos causos, histórias e saudade Foto: Arquivo/Fernando Cardoso Notícia do dia 08/06/2017

Criado em 1965, o Festival Folclórico de Parintins em 2017 volta a ser organizado pela Prefeitura com o apoio do Estado. Diferente do ano passado quando o Governo não repassou recursos para os bumbás, esse ano a disputa entre Caprichoso e Garantido pelo andar da carruagem ainda não ganhou uma apimentada vista nos anos anteriores.

 

Nos galpões, as diretorias dos bumbás garantem que os trabalhos estão 70% concluídos e vão para arena em duelo de gigantes, mesmo com a crise política e financeira.

 

Mesmo na atualidade, ou seja, em pleno Século 21, há quem volte ao passado e relembre os tempos em que os bois de pano apenas brincavam pelas ruas da cidade impulsionados pela rivalidade entre torcedores azuis e vermelhos, dividindo a cidade.

 

A aposentada Cleide Maria Oliveira, 77, lembra que até os meados de 1975, a rivalidade entre Caprichoso e Garantido era travada entre dois vultos folclóricos, o versador e cantador de boi Lindolfo Monteverde, fundador do Boi Garantido e Luiz Gonzaga, um dos baluartes do Boi Azul e Branco.

 

Dray Azedo lembra que o primeiro Festival Folclórico de Parintins, criado por um grupo de amigos ligados à Juventude Alegre Católica (JAC), entre os quais Xisto Pereira, Lucinor Barros e Raimundo Muniz, contou com 22 duas quadrilhas, além dos dois bois, sem competição entre eles.

 

Segundo dados levantados por historiadores, a primeira disputa entre Garantido e Caprichoso veio na segunda edição do Festival, vencido pelo boi vermelho e branco. A partir de então, houve o acirramento da rivalidade entre os dois.

 

Ocivaldo Santos, o Codó, 56, diz que para falar do maior festival folclórico do Norte do País precisaria bastante tempo, inclusive, ser contado por pessoas antigas que vivenciaram os velhos tempos de tablado, quadra da JAC, quadra do Parque das Castanholeiras (CCE), quadra do IPASEA e da quadra onde hoje está instalado o Ilha Verde.

 

Codó lembra do bailado corrido, segundo criado por ele, mas não deixa de fora a Quadrilha Os Filhos de Hippies. “São quarenta anos de festival e muitos títulos, uns pela quadrilha e outros pelos bois, inclusive, pelo Caprichoso”, frisou.

 

O aposentado Raimundinho Bastos, 67, também lembra dos velhos tempos, os quais lhe trazem muitas recordações, até porque foram quase 15 anos como vaqueiro do Boi Caprichoso. Das lembranças, lembra uma engraçada. “Em 1998 estava meio bacana e entrei no Tabladão com o cavalo de pau com a bunda pra frente, mas rapidamente me ajudaram a consertar o erro”, disse sorrindo.

 

No contexto “Festival Folclórico”, existem muitos casos, fatos, causos e piadas de inúmeras pessoas que também fazem parte dessa história ainda no início do seu apogeu, mas preferem falar das quadrilhas, grupos folclóricos que iniciaram a brincadeira folclórica.

  

Para o servidor público José Maria Tavares, 70, que por quase duas décadas participou da Marujada de Guerra do Boi Caprichoso, a originalidade musical dos bumbás não conseguem mais chamar a atenção do público.

 

Segundo ele, as composições se tornaram produtos meramente técnicos e direcionados às coreografias dançantes, avaliando para o lado feminino. “Os tempos são outros, o genuíno ritmo de boi bumbá acabou. Os bumbás entram na arena muito técnico para impressionar os jurados, o povão que gostava de cantar e dançar as toadas de origem não expõe mais o seu sentimento, são manipulado pelos dançarinos que ficam em frente as galeras intermediando as coreografias, algumas simples plágio de muitos cantores nacionais e internacionais” salientou.

 

O compositor e músico Roberto Sales, o Kamanxu, diz que raramente um pescador, um pedreiro ou um ribeirinho que antes compunha as toadas tem vez nos concursos de escolha das composições.

 

“Pessoas que criavam as toadas de desafio sadio e criativo ficaram esquecidas dando lugar aos compositores que buscam em históricos desconhecidos compor as toadas, criando a ilusão de seres demoníacos que só existem na imaginação deles” comentou.

 

Outros compositores que preferem o anonimato asseguram também que as toadas de rituais, por exemplo, seguem imaginação dos próprios compositores, principalmente quando as lendas de tribos indígenas são expostas com seres tão mitológicos que lembram em muitas das vezes, as criaturas dos livros de quadrinhos na era dos enlatados japoneses.

 

“A toada que era criada pelo pescador quando este estava no lago em momento de inspiração, incluía o sentimento voltado às coisas regionais, o caboclo, o ribeirinho e o índio na sua essência. Hoje, as toadas passaram a ser encomendadas para integrar um projeto de arena repetido a cada ano” avalia o músico Alfredo Pereira.

 

A perda da identidade cultural das toadas e das apresentações dos bumbás continua sendo uma ameaça para o festival. As diretorias dos bois precisam atentar e integrar nos CDs os verdadeiros hinos compostos pelos poetas caboclos e versadores.

 

Um exemplo foi visto durante a estada do Caminhão Palco do SESI em Parintins. O veículo foi colocado no centro do conhecido Circuito Escorpião, atrás do Ginásio Elias Assayag, e quando os toadeiros que participaram das apresentações executavam as atuais toadas, as pessoas davam pouco importância.

 

Mas, no momento da execução das toadas antológicas, as pessoas se aglomeravam em frente a caminhão para dançar as composições embaladas pelas antigas coreografias.

 

Além das toadas rítmicas, críticas são direcionadas para as coreografias. Alguns avaliam que elas fogem do contexto folclórico, indígena e regional, dando vez a saltos circense, axé music, lambada e ritmos caribenhos, ao invés do dois pra cá, dois pra lá, rodadas e pulinhos contagiantes que outrora alegravam o povão nos ensaios realizados nos currais dos bumbás.

 

Fernando Cardoso | Repórter Parintins

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