Algo fora de rota

Algo fora de rota Notícia do dia 11/11/2016

Por Wilson Nogueira*

 

O diálogo vazado entre o candidato à reeleição à Prefeitura de Manaus Arthur Neto (PSDB) e o seu candidato a vice Marcos Rota (PMDB) sobre a proliferação de blogs de jornalistas na internet  revela o quanto os poderosos se incomodam com a descentralização da elaboração, emissão e consumo de informação e dados por meio das redes de computadores.

 

Antes, grupos políticos, econômicos e midiáticos, principalmente, podiam controlar e manipular a opinião pública com mais facilidade. As contradições dos donos do poder só vinham a público quando eles se dividiam em seus interesses.

 

Hoje, “para o bem ou para o mal”, a internet está presente na vida de parcela significativa da população mundial e, assim, cada cidadão torna-se um potencial produtor, emissor e consumidor de informação, e a tendência desse fenômeno é o desdobramento interminável das redes socioculturais – ou redes sociais digitais – mediadas por computadores.

 

É isso que assusta os donos do poder e seus comensais. O negócio da compra e venda do silêncio e da publicidade de interesse público entrou em crise moral e financeira. Nenhum negociante desse ramo pode hoje garantir que a entrega dessas mercadorias será feita com segurança, porque a informação é agora um produto “altamente vazável”.

 

Antes da internet, a vazão de informação de interesse público era mais um ideal que uma realidade. As empresas do ramo da comunicação eram as únicas a possuir tecnologias capazes de atingir, com certa velocidade, milhares de pessoas ao mesmo tempo. Rádios, jornais, revistas e TV comunicavam-se de forma linear com os seus ouvintes, leitores e telespectadores. Logo, conseguiam sem maiores esforços formar a opinião que desejavam na massa indiferenciada do espectro comunicacional.

 

A internet e suas redes sociais digitais apresentam outra perspectiva: elas permitem o espalhamento da informação horizontalizado. E não somente isso: possibilitam a interação entre os seus usuários e, desse modo, tornam-se incontroláveis, “para o bem ou para o mal”. Claro, esse clichê é da era dominada pela comunicação verticalizada, quando os magnatas das comunicações, entre eles os do Brasil, transitavam do bem para o mal com desenvoltura.

 

Hoje, esse jeito maniqueísta de perceber a comunicação não faz muito sentido. A internet pode até ter algumas cabeças, mas a sua cauda é infindável e incontrolável. Mas, ela é assim porque assim nasceu: controversa, complexa, dialógica e ecossistêmica. Jamais se imaginaria que militares paranóicos do Pentágono e cientistas com liberdade de pensamento e inovação iriam se associar na realização de um projeto de salvaguarda de dados e informação descentralizados institucionalmente, no caso de uma guerra de destruição em massa entre Estados Unidos e a ex-União Soviética.

 

Tudo isso começou lá pelo final da década de 60 do século passado. Quem financiou esse projeto foi o poder público. O setor privado, como sempre conservador, não faria uma aposta tão ousada. Ainda em pleno voo, a iniciativa não demorou para revelar que entre o Roberto Marinho Bom Moço e o Roberto Marinho Cidadão Kane havia outros mundos a navegar e a explorar.

 

Do começo restrito às comunidades de militares e científicas, mais tarde a internet se ampliou para o universo das redes alternativas que rompeu os monopólios dos conglomerados comunicacionais em escala planetária. Portanto, é fato que a internet se move livre do controle absoluto de governo ou empresas, graças ao espírito de liberdade e inovação dos cientistas que começaram a desenvolvê-la coletivamente. E assim ela continua: uma criatura em expansão tecnológica e reconhecida como importante e necessária para a humanidade.

 

Mentes retrógadas e grupos de interesses escusos bem que gostariam de pôr freios na internet, já que não conseguem controlá-la totalmente. Uma das críticas é que ela é uma terra de ninguém, um ambiente anárquico e, por isso, sempre uma ameaça à hegemonia dos grupos de poder. Então, que continue assim, para que “qualquer um” possa usá-la “para o bem ou para o mal”, e também para o que vier a existir no tempo e no espaço dessa escala maniqueísta.

 

O resto é compreensão rasa e boçal de um fenômeno profundo que mudou – e continuará mudando velozmente – a cara das sociedades em nível mundial. Em outras palavras, é algo fora de rota, porque, no lugar da rota de mão única e segura, agora existem incertezas, encruzilhadas, bifurcações, ambivalências e estruturas sólidas se transformando em água.

 

* O autor é jornalista

 

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