Um sonho militante

Um sonho militante Notícia do dia 28/09/2016

Por: Fátima Guedes *

Era tempo de eleições... A freguesia movimentara-se em torno do último comício. Naquela noite, voluntariamente, a população, reunira-se na praça central para a grande assembleia (a última registrada); tratava-se dos destinos da freguesia e todos se sentiam responsáveis.

 

Ali, proibiam-se: uso da máquina administrativa, interesses particulares, manipulação midiática, premiações, esmolas, alucinógenos, algazarras... A opinião pública era suprema e inalienável no discernimento das ações político-administrativas e ao mesmo tempo soberana no exercício da cidadania.

 

Convergiam-se esforços para uma educação concebida como processo de descoberta, definição de valores, segundo a ética humana. As leis fluíam das necessidades sociais... Finalmente, iniciara-se a tão esperada assembleia. Candidatos apresentavam propostas. Zezé da Silva era a única mulher, trabalhadora rural de uma comunidade recentemente organizada que a escolheu para representante.

 

As discussões adentraram a madrugada: incoerências ou desvio de intenções aos princípios defendidos eram unanimemente vetados. Zezé apresentou-se por último. Por ser mulher e desconhecida despertara curiosidade, questionamentos e muitas dúvidas.

 

Suas propostas advinham de discussões prévias com a comunidade. Suas palavras tinham a cor, a forma, o cheiro, a força e o sabor do envolvimento com a realidade. A cada encaminhamento exigia avaliação, emendas e proposições, haja vista, conceber a função pública como patrimônio da sociedade, reconhecendo-se, portanto, funcionária a serviço dos interesses sociais.

 

Zezé convencera e vencera. Os concorrentes aplaudiram-na, admitindo coerência entre os encaminhamentos da candidata e as reais necessidades da população - Justiça Social. Consolidava-se ali um Estado de Direitos Igualitários.

 

Testemunhei a singularidade do evento, há muito acalantado em minhas utopias...

 - Não é possível!!!... Contesta meu companheiro que dormia ao meu lado, tocando-me no braço.

 - Que foi?... Despertei assustada. Oh!... Não!... Era madrugada, minha cadela Baby latia nervosa no quintal com a briga de cabos eleitorais disputando uma garrafa de cachaça, prêmio do comício para as eleições gerais, em Parintins.

 

* Educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela UERJ, especialista em Estudos Latino-Americanos pela UFJF-MG. Fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã e Militante da Marcha Mundial das Mulheres.

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