Tadeu Garcia*
Um homem simples, interiorano, vaqueiro aos 15 anos, cujos patrões, sem a referência de salário mínimo, ofereciam-lhe rancho mensal e sociedades na criação de gado com divisão de lucros.
Ainda nas décadas de 50-60, em Parintins, não existiam grandes pecuaristas, com o desenvolvimento da juta, observou-se a entrada de empreendedores dispostos a apostar na agroindústria e beneficiamento das fibras e no risco da criação de gado: Cardoso representante de intermediadores de juta comandava as operações em grandes navios (loyds), Paulo Correa com base em Santarém, e tantos outros se agregavam ao protagonista da pecuária parintinense Luís Souza, - grande visionário da genética e do manejo animal - pai do nosso amigo Dr. Harald Dinelly.
A dinâmica dessa economia, trouxe, por conseguinte, dois gestores (prefeitos) de Parintins na condição efetiva de empresários: José Raimundo Esteves (Zé Esteves) e Raimundo Djard Vieira (Didi Vieira), este último o referencial dessa introdução.
Didi Vieira significava aos seus sócios de pecuária a mais pura retidão de caráter da qual resulta a confiança, tanto que em 1963 quando se decidiu disputar a eleição já era um homem estabilizado, considerado rico para os padrões da época, com milhares de cabeças de gado e de hectares de pastagens na várzea e na terra firme.
Não foi fácil, na condição de empresário rural, enfrentou a oposição ferrenha dos políticos populistas da época com suas as artimanhas provincianas que manipulavam instituições e pessoas no jogo eleitoral, tal qual ainda se verifica nos dias de hoje.
Contra muitos, ganhou a eleição e assume a Prefeitura de Parintins em 1964, um ano emblemático para a nação brasileira. Lembro que sua casa, uma referência arquitetônica da época, somente recebeu sua família após a vitória.
Em 31 de março, vem o “golpe militar” e Didi Vieira sabiamente mantém sua coerência e pragmatismo, desligando-se de ideologias à direita ou a esquerda, o que implicou em administrar Parintins, sem recursos estaduais e muito menos federais.
O administrador público geriu Parintins somente com recursos próprios, com a visão superlativa do empresário: lucro (maior receita – menor custo), aplicando ao setor público: a melhor alocação de recursos com menor custo resulta na melhor eficiência em servir a todos os cidadãos.
Exemplarmente: 1967 – seca anormal, pouca peixe e pouco gado no mercado. Vejo as 06:00 h da manhã, o prefeito com sua camisa e calça de linho branco, portando somente uma caderneta e uma lapiseira, repentinamente, chama o conhecido Mucuim e diz: a Prefeitura precisa de 10 carradas de areia para depois de amanhã às 5 h da tarde (observe o determinismo de tempo), por quanto você faz? Mucuim diz: X cruzeiros, imediatamente ele anota. Sai e vai a praça da prefeitura e encontra Zé Branquinho e repete o mesmo fato: e Zé diz: prefeito dá para fazer por Y. Antes da 7 h, adentra a prefeitura e lá se encontra seu compadre e Secretário de Administração, Alcides Teixeira, a quem fui cumprimentar pelo seu aniversário e o prefeito diz: Compadre, a prefeitura precisa de 10 carradas de areia para as 5 h de depois de amanhã, porquanto é possível fazer? Seu Alcides diz: meu prefeito-compadre dá para fazer a Z. Didi Vieira anota, respira, mas não pisca; e vem o resultado: compadre você perdeu, seu preço é o terceiro. Mande chamar o Mucuim!
Uma lição exemplar: sem lei de licitação, sem os artifícios de pregões, um ex-vaqueiro - depois empresário bem sucedido - ensina como lidar com o dinheiro público.
Teria tantos outros registros, mas não consigo ser sintético. Em janeiro de 1969, esse gestor público entrega aos parintinenses, amazonenses e brasileiros a única prefeitura superavitária entre os mais de 5.000 municípios brasileiros: dinheiro em caixa e ações da Petrobrás.
Somente com recursos próprios, sem verbas estaduais e federais, fez os dois galpões do porto (trapiche de Parintins), muro de arrimo que nunca caiu, pavimentou a Avenida Amazonas, tantas outras obras e ações, ressaltando o exemplo que é possível fazer política sem perder a honra. Assim, Parintins recebeu o honroso título de CIDADE MODELO DO AMAZONAS, que parecia constituir um desafio aos seus sucessores, mas que não fizeram, pelo menos, o necessário para preservá-lo.
Esse prefeito, por inúmeros anos Padrinho e Provedor do boi Caprichoso, na sua vida particular e pública, jamais deixou de colaborar com o Garantido de Lindolfo Monteverde, através da “compra” da língua do boi que encantava a todos nas fogueiras das ruas de Parintins.
Diferentemente, por exemplo, daquele que se utiliza, em convênio com a SEC/AM de Robério Braga, de um pomposo título: “Bois de Rua e outras atividades do Festival 2010” e tem suas contas reprovadas por irregularidades de todos os gêneros e espécies, sem que nenhuma das associações tenham sido reais beneficiárias (Processo 5099/2010 – TCE/2a Câmara).
Descontando a efervescência do momento eleitoral, assim é preciso avaliar a projeção de que uma pessoa de caráter, com visão empresarial e bem sucedida, seja capaz de ousar, em quatro anos, nas ações indispensáveis para recuperar o modelo exemplar da bela Ilha dos Parintintins.
Compositor, poeta, escritor, produtor musical e folclorista