Nilson Lage*
A atual campanha eleitoral americana guarda semelhança com a que levou à presidência Jimmy Carter, em 1976. Foi o único presidente dos Estados Unidos nos últimos 70 anos que não patrocinou guerras; pelo contrário, tratou de negociar a solução de conflitos e dar a seu país imagem diferente do vilão que todos temem.
Isso é o mesmo que afrontar o complexo industrial militar e contrariar interesses do grande capital: daí porque cumpriu os quatro anos de mandato e não foi reeleito, deu lugar a Reagan e ao ciclo de reacionarismo neoliberal.
Carter sucedeu a Gerald Ford, vice-presidente que assumira o cargo com a deposição de Richard Nixon, por impeachment na esteira do episódio Watergate. Os Estados Unidos haviam sido derrotados na guerra do Vietnã, o que gerara grande frustração em um país que vive embalado pela mitologia de seu destino imperial; o cidadão americano ouve isso do berço ao túmulo, berrado pela máquina publicitária mais agressiva e totalitária de todos os tempos. A crise econômica dos anos 70 – o tempo dos petrodólares – ajudou a prolongar ondas de protesto e pacifismo que datavam do movimento hippie.
Agora, fica evidente que os Estados Unidos cometeram erros estratégicos graves no Oriente Médio, o que motiva frustração similar. A recuperação econômica da crise de 2008 é lenta e, principalmente, onera a população, que não retomou os padrões de vida e segurança anteriores. A falta de investimentos em infraestrutura e de um colchão social – nas áreas de saúde, habitação e educação, principalmente – agrava a sensação de declínio.
Bernie Sanders – e, de certa forma, seu antípoda político, Donald Trump – surfa na maré de esperança de mudanças. É o Occuppy confrontando o Tea Party, para espanto de políticos do sistema, como Hillary ou Rubio; em lugar da espetacular autocrítica de “Corações e Mentes”, documentário de Peter Davis, a ironia pesada de “Quem invadiremos em seguida”, de Michael Moore.
O contexto político, no entanto, é menos favorável a um eventual governo Sanders do que foi a Carter.
Como acontece sempre nos regimes presidencialistas, o povo concentra suas esperanças na figura do líder que disputa a chefia do governo, mas não consegue reverter o domínio das máquinas políticas nas eleições legislativas e no Poder Judiciário.
Acontece que, hoje, nos Estados Unidos, o Legislativo que o dinheiro elege e o Judiciário conservador estão bem mais entrincheirados do que há 40 anos. E a máquina publicitária permanece azeitada.
* Jornalista, professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina desde 1992. É doutor em Linguística, Mestre Em Comunicação e Bacharel em Letras. Foi professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense e de instituições particulares.