Legado que atravessa gerações

Brincadeira religiosa enfrenta preconceito e falta de incentivo

Legado que atravessa gerações Foto: Arquivo JRP/Neudson Corrêa Notícia do dia 24/12/2015

Em Parintins o clima natalino tem um som diferente do restante do mundo. Neste período, o som de pandeiros, castanholas, violão, cantorias, versos e outras manifestações das Pastorinhas são comuns e barracões espalhados pela cidade. Uma sonorização que através décadas, enfrenta preconceito e consegue vencer os limites financeiros da cidade. A brincadeira religiosa que exalta o nascimento de Jesus Cristo é uma tradição cultural passada de mãe para filha.

 

A Pastorinha é, tradicionalmente, dominada pelas mulheres e por isso aqui o ditado popular “de pai para filho” muda totalmente. Com o passar do tempo a brincadeira ganhou novidades, mas também perdeu espaço. É comum ver grupos com dificuldades para formar os cordões de brincantes. Preconceito e falta de apoio são algumas das barreiras enfrentadas pelas donas de Pastorinhas da cidade. A modernidade afastou a juventude dos barracões de ensaios.

 

Mas, há quem enfrente esses problemas e consiga manter viva a chama cultural dessa manifestação tradicional. No bairro Djard Vieira a festividade começou com a senhora Nadir Miranda (falecida), que reuniu um grupo de amigas para festejar o Natal de forma mais religiosa. A Pastorinha Filhas de Maria tem mais de uma década e hoje é comandada pela filha dela, Rosineide Ribeiro. Toda a família de dona Nadir se envolve com a brincadeira.

 

Toda família participa de alguma forma. Tios, irmãos, filhos, netos e demais parentes têm uma função específica para manter o grupo formado. As mulheres cuidam dos ensaios e indumentárias, os homens confeccionam os objetos usados pelas brincantes e o presépio. “É uma brincadeira que momento reúne toda a família, graças a Deus. Depois que surgiu a Pastorinhas todo mundo reúne a família aqui no dia 24”, conta a sobrinha de dona Rosineide, a vendedora Adriana Ribeiro, 26.

 

Na comunidade do Aninga, a Pastorinha Filhas de Maria foi fundada por Tarciana Paixão em promessa a Santa Teresinha. O grupo foi criado em outubro e 1928 com 80 brincantes. Antes de falecer, dona Tarciana passou a missão a sobrinha dela, Maria Ângela Reis, 59, que brincava nos cordões e permanece até hoje.

 

Ângela Reis tem quatro filhas e todas elas participam da brincadeira, algumas nos cordões, outras na organização e apoio do grupo. Os netos também seguem os caminhos trilhados pela avó. “Me envolvi com a Pastorinha hoje as minhas filhas se envolvem. É de geração pra geração essa brincadeira. Na nossa comunidade nós temos como uma tradição essa nossa brincadeiras. Eu não me vejo um ano sem colocar. Eu me empenho demais, minha família também. Sem minha família eu não seria ninguém na Pastorinha”, conta Ângela.

 

Para dona Ângela falta apoio a essa manifestação cultural. “Muitas pessoas não dão valor pras Pastorinhas, nem as autoridades dão valor como dão para outras festas”, critica. A filha de dona Ângela, Angélica Reis, 25, brinca desde criança e informa que outra dificuldade enfrentada é a participação da juventude.

 

“A gente tem essa dificuldade em as meninas querem brincar por vergonha de cantar de dançar”, afirma. Ela aponta também o uso da tecnologia como um fator que impede a participação dos jovens. “Hoje as menina só querem estar no celular, na televisão e não tem mais aquela vontade de participar. Aquele momento da Pastorinha era o momento de todos se reencontrarem na comunidade e hoje já não tem tanto esse envolvimento” revela.

 

Em meio às dificuldades, as Pastorinhas sobrevivem e mantém a brincadeira mais séria do ano que festeja o Nascimento do filho de Deus, numa fé manifestada por cantos, versos e danças. Nos diversos bairros da cidade as apresentações sem mante nos dias 24, 25 e 31 de dezembro e no dia 6 de janeiro (Dia de Reis). No dia 3 de janeiro vai acontecer a 3ª Mostra Cultural das Pastorinhas, na Praça da Catedral de Nossa Senhora do Carmo.

 

Eldiney Alcântara/Repórter Parintins

 

 

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