Fotos: Neudson Corrêa e Igor de Souza
Notícia do dia 24/08/2015
“Leiteiro!” Essa é a chamada que ecoa todos os dias nas ruas de Parintins. A profissão está em extinção na cidade dos bois de pano, Caprichoso e Garantido. Porém, o dono desta célere palavra percorre longas distâncias para cumprir uma missão que escolhera quando trocou a área rural pela vida urbana. Djard Vieira, Itaúna I, Itaguatinga, Sham, Macurani, Centro e Palmares são os bairros por onde Vitélio Ribeiro, 73 anos, completos no dia 17 de julho, percorre diariamente.
Ele é o leiteiro mais popular e famoso de Parintins. Nem a aposentadoria o deixou fora das ruas. De mente brilhante, o autodidata conhece um pouco de política, religião, história, geografia e música. O enciclopédia ambulante percorre as ruas com sua bicicleta cargueira, dois baldes e um monte de garrafas pet para comercializar o leite in natura.
Vitélio trabalhava na companhia de seu cão de estimação chamado Sheik. Pareciam Batman e Robin ou Cosme e Damião. Apesar da idade avançada e a saúde debilitada do animal era difícil mantê-lo em casa. O teimoso cachorro o deixou há dois anos. Há quem pergunte pelo Sheik. E o leiteiro responde: “está jogando bola, no Flamengo”.
Cantor
A voz grave chama a atenção por onde passa. Com repertório musical dos mais variados. De Valdick Soriano, famoso cantor brasileiro que morreu no dia 4 de setembro de 2008, a Roberto Carlos. “É preciso saber viver”, de Roberto Carlos; “Gosto muito de você”, Paulo Sérgio; “Aqui eu vou morrer”, Aguinaldo Timóteo; “Eu não sou lixo”, Everaldo Braga e “Eu não sou cachorro não”, Valdick Soriano, são os antigos sucessos que nunca saem de moda. Quem ouve essas músicas não esquece do leiteiro cantador, afirma Sebastião Silva, o Sabá do bairro Itaúna I.
“Quando você faz aquilo que gosta tudo é interessante”, assim, define Vitélio, que com disposição dá um exemplo de como a vida é bela e é preciso saber vivê-la. Vitélio mais parece um cantor de seresta quando sai para vender leite. Todos conhecem aquele homem de timbre forte. Do tempo no campo ele não se esquece, o chapéu de vaqueiro na cabeça tão as dicas.
Sem caneta nem caderneta para anotar os ‘fiados’ ele se apropria de simples instrumentos encontrados no meio da rua, uma pedrinha ou mesmo um carvão vegetal para registrar nos muros das residências as referidas vendas. Passa ano, entra ano, as anotações vão se multiplicando. Não há quem reclame. Tal atitude remete às gravuras nas paredes das cavernas deixadas por nossos ancestrais.
Opção de vida
A data quando deixou a área rural é um marco na vida desta enciclopédia humana. Foi no dia 28 dezembro 1986, um ano após José Sarney, primeiro presidente civil, assumir o país, assim que os militares deixaram o poder. No interior Vitélio Ribeiro plantou milho, juta e ainda trabalhou na pecuária, mas essas atividades não foram possíveis para mantê-lo no campo.
Torcedor fervoroso do Vasco da Gama, de vez em quando é importunado por rivais rubro negros, que insistem em pronunciar um sonoro ‘fala vascaíno’. Somente aí ele perde a compostura. Mas segue sua trajetória nas ruas de mais de oito bairros de Parintins. Natural do Parananema, área suburbana de Parintins, distante seis quilômetros do centro, o leiteiro famoso mudou-se com a família para a comunidade Barreira do Andirá, pertencente ao vizinho município de Barreirinha, aonde chegou a plantar macaxeira, milho, banana. A baixa produção na lavoura fez com que mudasse com a família para Ilha Tupinambarana. Os fregueses do leiteiro agradecem!
Neudson Corrêa
Da Equipe Repórter Parintins