
De volta a Manaus após quase três anos sofrendo maus-tratos do companheiro na República Dominicana, a vendedora Nádia da Silva, 31, resgatada junto com o filho de 12 anos na semana passada, aposta na vida acadêmica para dar a volta por cima. Apaixonada por tecnologia avançada, ela denuncia que era mantida em condições de cárcere privado naquele país.
“Pretendo me profissionalizar agora. Gosto muito da área de informática e assim que der quero iniciar a faculdade”, disse, ressaltando que por enquanto não tem recursos para começar a estudar.
Natural do Amazonas, Nádia conta que viajou para a República Dominicana, em 2009, com o objetivo de trabalhar em um hotel, mas pouco tempo depois o sonho de crescimento profissional se transformou em um pesadelo. “Em 2010 saí do hotel e entrei como sócia em um negócio de divulgação de eventos. Foi aí que conheci esse rapaz e os problemas começaram”, afirmou.
Segundo ela, o homem aparentemente amigável, de personalidade tranquila e que afirmava desejar formar uma família, logo após irem morar juntos a proibiu de trabalhar e começou a agredi-la verbalmente. “A desculpa inicial era de eu sairia do emprego para ir trabalhar com ele. Ao invés disso, ele me impedia de sair de casa, ter amigos e até falar com os vizinhos”, disse.
A falta de condições financeiras e a vergonha, fizeram com que a vendedora omitisse da família o sofrimento e a humilhação sofrida dentro de casa. O companheiro, agressivo quando contrariado, de acordo com Nádia, buscava nas pequenas coisas motivos para brigar e ofendê-la.
“Um dia estava num clube e agradei uma garotinha que estava no colo do pai. Isto foi motivo para ele brigar comigo por acreditar que eu estava me insinuando para o homem”, contou.
Ofensas gratuitas, empurrões e recorrentes menções à estrutura material ofertada à vendedora e ao filho, caracterizavam as agressões diárias sofridas. Fato que, segundo Nádia, tem como pano de fundo aspectos culturais do país. “Lá o autorismo do homem para com a mulher é meio cultural. De um ano para cá, a imprensa começou a divulgar os telefones para denúncia, mas tudo muito específico à violência física”, criticou.
Mesmo nunca tendo sido espancada, a vendedora afirma que o quadro de desequilíbrio emocional do companheiro a levou a andar sempre com o número do disque-denúncia em mãos.
Com os documentos pessoais, como o passaporte, retidos pelo parceiro, Nádia relata que diferente dos agressores em geral, que pedem desculpas após o ato, seu ex-marido ignorava as discussões e a tortura psicológica cometida. “Era como se nada tivesse acontecido. Não podia ter celular, nem acessar a internet. Ligar para minha família toda semana, então, era motivo para um desentendimento”, disse.
Em Manaus desde o último dia 14 de maio, após 60 dias de articulação entre a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), o Consulado da República Dominicana em Manaus, o Ministério das Relações Exteriores e a Embaixada do Brasil na República Dominicana, Nádia afirma que entrou em profunda depressão devido os constantes atritos com o marido. “Infelizmente, não pude procurar ajuda. Chorava muito, mas sabia que perto dele não podia demonstrar”, disse.
Resgate
De acordo com o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Aleam, deputado Abdala Fraxe, os pais da vendedora procuraram a comissão há dois meses e relataram toda a situação vivenciada pela filha e pelo neto na República Dominicana. Ao tomar conhecimento, ele acionou o consulado daquele país, em Manaus, que intermediou as conversas com a Embaixada do Brasil. “O envolvimento de todos foi imprescindível para a solução desse caso”, destacou.
Ele informou, que o cônsul honorário da República Dominicana em Manaus, Celso dos Santos, fez contato com a ministra das Relações Exteriores do país, Maria Cristina Pereira, e com a Embaixada do Brasil, que, após uma série de mobilizações e investigações, conseguiram resgatar Nádia e o filho e custear o retorno deles a Manaus.
O deputado ressaltou ainda que, o prazo de 60 dias necessário para o retorno da amazonense foi positivo levando em consideração a situação dela no país. “Por não ter acesso ao passaporte, o visto de turista estava vencido. Desta forma, por não ter como pagar a multa de R$ 8 mil eles não tinham como voltar e ela corria o risco de ser presa”, esclareceu.
Para fugir da casa onde morava, Nadia conta que conseguiu pegar seu passaporte e o do filho e contou com a ajuda de uma amiga da igreja para recolher suas roupas. “Fiquei na casa dela na noite do dia 13 (maio) e às 12h30 do dia 14 embarquei para o Brasil. Soube inclusive que no dia 13 ele esteve no aeroporto a minha procura”, informou, ressaltando que apesar do menino ser tratado como filho pelo companheiro, era obrigado a ser uma criança retraída, devido a rigidez dele.
Segundo o deputado Abdala Fraxe, este é o primeiro caso com características de cárcere privado confirmado desde que está à frente da comissão, fevereiro de 2013. “Não temos outras denúncias semelhantes, mas os cidadãos que conhecerem alguém que esteja passando por um algum tipo de cerceamento podem recorrer à Comissão”, informou.
Via D24am.com