Aldeia da etnia hupda, em São Gabriel da Cachoeira, não vem recebendo atendimento de saúde, segundo relatos de moradores
Um surto de virose em uma aldeia da etnia hupda, no município de São Gabriel da Cachoeira, região do Alto Rio Negro (AM), causou a morte somente neste mês de duas crianças indígenas. Há informação de que pelo menos outras 13 crianças estão doentes. Os hupda, conhecidos de forma pejorativa como maku, muito preocupados, solicitaram urgência no atendimento de saúde na aldeia Taracuá-Igarapé.
No último dia 18, Marcelino Massa, funcionário da Associação Saúde Sem Limite, enviou um ofício ao Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena (Dsei/RN) do Alto Rio Negro, com base em relato de Jovino Pinoá, agente indígena de Taracuá-Igarapé. No ofício, Marcelino afirma que as crianças morreram de vômito e diarréia e informa que a aldeia vem registrando casos de virose. “Precisamos urgente muito da equipe de saúde”, pede Jovino, que também se queixa da dificuldade de comunicação com a coordenação do Dsei. Por isso, justifica ele, o relato foi dado a Marcelino Massa.
Curiosamente, o único instrumento de contato que os moradores de Taracuá-Igarapé têm é um orelhão por meio do qual as lideranças da comunidade ligaram para o antropólogo Danilo Ramos, da Universidade de São Paulo (USP), que já desenvolveu pesquisa na comunidade. Os indígenas telefonaram e comunicaram as mortes e a falta de atendimento médico no local.
“A preocupação se agrava por não haver equipe de saúde nos pólos-base de saúde, pelos resgates de pacientes não estarem sendo feitos e pelo sistema de radiofonia de muitas comunidades não funcionar. Ano após ano, milhares de pessoas encontram-se periodicamente desassistidas nas centenas de comunidades às margens dos rios Negro, Vaupés, Içana, Xié e afluentes”, relatou Ramos, em um comunicado.
Discriminação
Conforme Ramos, que recebe ligações quase diariamente dos indígenas de Taracuá-Igarapé, não há gasolina para as embarcações transportar as equipes de atendimento às aldeias, não há remédios e equipamentos. A radiofonia, único meio de comunicação que havia com o Dsei/RN, está quebrado há mais de um ano.
“A situação dos hupda é pior do que muitas outras comunidades indígenas do Alto Rio Negro. Há uma discriminação contra eles por conta do próprio sistema de saúde. Não há atendimento e quando há, ocorre apressadamente. É mais difícil de se chegar até a comunidade deles e isso gera dificuldade. Outro problema é que poucas pessoas hupda falam português. Há uma enorme dificuldade de compreensão e desconhecimento da diferenciação tradicional deles por parte do sistema de saúde e isso gera uma dinâmica de exclusão”, contou.
Segundo o antropólogo, a falta de acompanhamento contínuo entre os índios hupda resulta em registros elevados de desnutrição, viroses e mortalidade infantil. “Há dois anos houve desnutrição uma epidemia de coqueluche com mortes de criança, mas não havia voadeira para resgatar os doentes”, disse.
Atendimento
Na semana passada, o Dsei/RN passou a ter um novo coordenador, Alexandre Cantuária, que entrou no lugar de Luís Lopes. Antes de ser substituído, Lopes disse a Marcelino Massa que não havia recursos para comprar combustível para abastecer a embarcação que levaria atendimento à aldeia, segundo o agente indígena.
Conforme Massa, que é indígena da etnia dessano, a viagem em uma embarcação de motor 40 (lancha rápida) leva dois dias para chegar na aldeia.
A reportagem tentou falar com a coordenação do Dsei/RN, mas a informação que obteve é que o local não tem telefone fixo.
Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde, disse que no último dia 10, após a notificação dos dois óbitos, uma equipe se deslocou para avaliar a situação na aldeia e prestar atendimento. Duas crianças com sintomas de diarreia estão sendo atendidas e que não há registro de surto da doença. A assessoria disse que equipes da Sesai visitam pelo menos a cada 30 dias as aldeias da região do pólo-base São José II, onde se localiza a aldeia dos Hupda.
A reportagem ligou para o número do orelhão da aldeia Taracuá-Igarapé e falou com um morador chamado Joaquim Socoti. Apesar da dificuldade de falar em português, ele disse que desde a ocorrência das mortes, “nenhum enfermeiro” de saúde apareceu na aldeia.
Foirn
A presidente da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn), Almerinda Ramos, disse que as mortes de crianças hupda são muito preocupantes, assim como outros óbitos registrados nas demais aldeias do Alto Rio Negro. Ela afirmou que após a troca do coordenador do Dsei/RN, a Foirn vai acompanhar a atuação do órgão com mais rigor. Segundo ela, a troca foi fruto “da pressão do movimento indígena”.
A CRITICA.COM - ELAÍZE FARIAS