Saneamento básico, um direito constitucional

Por: Marcellus Campêlo - 16/04/2025

Saneamento básico, um direito constitucional Foto: Divulgação

Marcellus Campêlo

 

A recente aprovação, no Senado, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece o acesso ao saneamento básico como um direito fundamental representa um marco histórico para o Brasil. Embora o tema já estivesse previsto em leis, normas e regulamentos, elevá-lo ao nível da Constituição Federal cria um novo patamar de compromisso, em todas as esferas, e de possibilidades para a população. 

 

Na prática, essa mudança, que ainda depende da aprovação da Câmara, deverá se refletir em políticas públicas mais robustas e abrirá novas portas para a destinação de verbas adicionais para essa área, com a possibilidade de parcerias com a iniciativa privada, dando fôlego para o cumprimento das metas de universalização dos serviços. O Marco Legal do Saneamento estabelece como prazo para isso o ano de 2033, quando 99% da população já precisa estar sendo atendida com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto. 

 

Com o saneamento ganhando esse reconhecimento, os governos, em sistema tripartite (federal, estadual e municipal), passarão a ter a obrigação legal de criar, executar e fiscalizar políticas públicas para garantir que o direito seja cumprido. Os planos de saneamento passam a ser uma exigência constitucional. O planejamento urbano, ambiental e de saúde pública terá que incorporar o saneamento como eixo central, e não mais como um complemento. 

 

A nova configuração constitucional também torna mais fácil a captação de recursos internacionais. Os bancos de fomento e organismos multilaterais costumam dar prioridade a países com marcos legais fortes. Isso pode atrair mais investimentos para o setor e gerar, também, um estímulo à inovação e à eficiência, com possibilidade de parcerias público-privadas mais bem estruturadas.

 

Essas perspectivas todas são bem interessantes para o Brasil, para a redução das desigualdades que se mostram bem acentuadas nessa área. No país, mais de 30 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e quase 100 milhões vivem sem coleta de esgoto, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). As populações severamente afetadas são as mais pobres, negras, periféricas e indígenas.

 

Com o saneamento garantido como um direito fundamental, políticas públicas terão que priorizar essas populações historicamente excluídas. Poderá haver critérios constitucionais de equidade na distribuição de recursos e nas metas de atendimento, e o país avança no combate à pobreza e à injustiça social.

 

O saneamento passa a ser parte de uma rede de garantias interligadas, fortalecendo todo o sistema de proteção social. Afinal, impacta diretamente áreas como saúde, na redução de doenças infecciosas, internações e mortalidade infantil; educação, pela queda na incidência de doenças que afastam as crianças da escola; meio ambiente, pela preservação de rios, solo e biodiversidade; e trabalho e renda, porque cidades mais saudáveis e limpas são mais produtivas e atraem investimentos. 

 

Aqui no Amazonas, mesmo sob administração municipal, os serviços de saneamento básico sempre foram uma preocupação do governador Wilson Lima, seja no direcionamento de investimentos do estado para esse fim ou de suporte técnico aos municípios. O foco tem sido sempre o saneamento inclusivo e sustentável. 

 

São exemplos nesse sentido as parcerias firmadas com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), dando continuidade e ampliando os programas Social e Ambiental de Manaus e Interior (Prosamin+) e de Saneamento Integrado (Prosai). O Prosamin+, realizado na capital, e o Prosai, concluído em Maués e, agora, sendo executado em Parintins.  Ambos tendo à frente a Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE), órgão da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano (Sedurb). 

 

As obras do Prosamin+ abrangem macro e microdrenagem, construção de estações elevatórias e de tratamento de esgoto, reservatórios de água potável, além de redes de coleta de esgoto e de distribuição de água. O sistema de esgotamento sanitário do São Raimundo, implantado pelo programa, beneficia diretamente mais de 100 mil pessoas com coleta e tratamento de esgoto. E contempla a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Waldir Brito, em Educandos, a primeira em quase 15 anos de existência do programa. É a maior da região Norte em capacidade de tratamento – até 300 litros de esgoto por segundo – e uma das mais modernas do país, utilizando tecnologia de ponta e equipamentos de primeira linha.

 

Com o novo Prosamin+, que está em andamento, os investimentos são de R$ 273 milhões em sistema de esgotamento sanitário, drenagem urbana e rede de abastecimento de água. São 60 quilômetros de rede de coleta de esgoto, seis estações elevatórias, a implantação da ETE da Raiz, em parceria com a concessionária Águas de Manaus, e oito quilômetros de rede de distribuição de água, beneficiando mais de mil famílias.

 

As obras de saneamento vão contemplar toda a área de abrangência do Prosamin+, no trecho do Igarapé do Quarenta que se inicia na Manaus 2000, bairro Japiim, zona sul, e vai até a Comunidade da Sharp, na zona leste. 

 

Com o Prosai, em Maués, os avanços foram enormes. As obras deram ao município a condição de uma das melhores taxas de coleta e tratamento de esgoto da região Norte, em comparação com cidades do mesmo porte, atingindo 50% das residências. Foram construídos 11 novos poços e seis reservatórios, beneficiando 100% da população urbana com água potável. Foram também perfurados 13 poços artesianos em comunidades indígenas sateré-mawé, todos movidos a energia solar. 

 

Em Parintins, com as obras do Prosai, o Governo do Estado irá resolver, em definitivo, o problema de contaminação dos poços que abastecem a cidade, levando água de qualidade para toda a cidade. O município sairá do zero para até 25% a cobertura de tratamento de esgoto. 

 

Pela Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), órgão que também faz parte da Sedurb, já são 15 municípios atendidos com o Projeto Água Boa, que consiste na instalação de purificadores nas comunidades ribeirinhas, uma ação em parceria com a Defesa Civil do estado. Foram instaladas 50 unidades nessas cidades, beneficiando 12,2 mil pessoas com acesso à água potável. Mais 600 unidades foram entregues aos 62 municípios, alcançando 220 mil pessoas. 
 

No estado, o governador Wilson Lima também lidera, desde o ano passado, uma ação gigantesca envolvendo todos os municípios do interior e voltada à universalização dos serviços. Resultou daí, a Lei Complementar nº 11/2024, sancionada em 9 de janeiro, instituindo o modelo de regionalização do saneamento básico.

 

O próximo passo, agora, é a criação da Microrregião de Saneamento Básico (MRSB), já em estágio avançado, e que atuará como uma autarquia intergovernamental composta pelo estado e os 61 municípios do interior. Terá entre suas atribuições o planejamento, regulação, fiscalização e prestação, direta ou contratada, dos serviços públicos de saneamento básico. 

 

A política de regionalização proposta pelo Governo do Estado tem como propósito agrupar os municípios, formando uma força conjunta para melhorar a eficiência da gestão dos serviços. Além disso, viabilizar economias de escala, especialmente onde as cidades, individualmente, não teriam capacidade técnica ou financeira para operar o sistema. Com o novo modelo, vão poder racionalizar os investimentos e compartilhar custos. 

 

Com a adoção do novo formato, o Governo do Estado se antecipou ao elevar o saneamento básico à condição de prioridade e situar a oferta dos serviços como algo que deve ser inclusivo, chegando a todos, indistintamente. 

 

O saneamento básico como direito constitucional, se aprovado na Câmara, fortalece ainda mais as iniciativas já em curso no Amazonas. Torna ainda mais clara, para a universalização dos serviços, a necessidade de priorizar, com verbas federais, regiões como a nossa, onde os desafios logísticos são enormes, em decorrência da extensão territorial, da baixa densidade populacional em muitas áreas e da dificuldade de acesso a centenas de comunidades ribeirinhas, indígenas e rurais.

 

A inclusão do saneamento básico na Constituição, portanto, não é apenas simbólica. Trata-se de um avanço prático e estratégico. Um passo concreto rumo à dignidade, saúde e justiça social para milhões de brasileiros.

 

Marcellus Campêlo é engenheiro civil, especialista em Saneamento Básico e em Governança e Inovação Pública; exerce, atualmente, os cargos de secretário de Estado de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano – Sedurb e da Unidade Gestora de Projetos Especiais – UGPE

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