Incêndios florestais: Uma narrativa de dois pesos, duas medidas

Por: Marcellus Campêlo - 15/01/2025

Incêndios florestais: Uma narrativa de dois pesos, duas medidas Foto: PASANHECO - ENVATO.COM

Quando a fumaça dos incêndios florestais nos Estados Unidos cobre o céu de cidades como Los Angeles, Seattle ou Nova York, o mundo assiste com compaixão, e não poderia ser diferente o sentimento pela dor das pessoas que veem tudo sendo consumido pelas chamas. 

 

Manchetes exaltam o heroísmo dos bombeiros e destacam os efeitos devastadores das mudanças climáticas. Celebridades como Leonardo DiCaprio, Oprah Winfrey e Kim Kardashian, frequentemente, usam suas plataformas para chamar atenção ao problema, arrecadando milhões de dólares e mobilizando ações globais de solidariedade.

 

No entanto, quando a fumaça que cobre Manaus ou São Paulo, vem da Amazônia, o discurso internacional se transforma. A narrativa predominante acusa o Brasil de negligência, irresponsabilidade e até de falta de capacidade para proteger um patrimônio global. Por que a diferença? A resposta revela o peso do preconceito e da desigualdade estrutural entre nações.

 

Os Estados Unidos, uma das nações mais ricas do mundo, enfrentam incêndios florestais recorrentes que devastam milhões de hectares anualmente. Em 2021, por exemplo, mais de 2,5 milhões de hectares foram consumidos pelo fogo na Califórnia e em outros estados do oeste, segundo o National Interagency Fire Center. A mídia internacional destacou o impacto das mudanças climáticas, enquanto personalidades como Greta Thunberg, Mark Ruffalo e até o príncipe Harry usaram suas vozes para defender ações urgentes contra o aquecimento global.

 

No Brasil, em contrapartida, as queimadas na Amazônia — que somaram cerca de 2,2 milhões de hectares em 2022, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) — geram um julgamento rápido e superficial. Poucos se aprofundam no contexto socioeconômico ou nas práticas tradicionais dos povos da floresta, preferindo atribuir a destruição ao descaso ambiental, ao agronegócio e à corrupção governamental. O ribeirinho que precisa da queimada como técnica ancestral para enriquecer o solo é invisibilizado. Seu contexto de pobreza e isolamento não é digno de nota. 

 

Enquanto nos Estados Unidos há recursos abundantes para combater incêndios, com infraestrutura avançada, brigadas de elite e tecnologias de monitoramento de última geração, o Brasil enfrenta um desafio diferente. É um país em desenvolvimento, com recursos limitados para proteger uma floresta que cobre 49% do território nacional e desempenha um papel vital para o equilíbrio climático global. A Amazônia não é apenas brasileira, mas, na prática, o ônus de preservá-la recai quase exclusivamente sobre nossos ombros.

 

Como explicar ao ribeirinho ou ao pequeno agricultor que ele não pode usar uma prática ancestral de queima controlada, enquanto a Califórnia utiliza fogos prescritos para evitar incêndios de grandes proporções? Como justificar que uma nação rica consome bilhões de toneladas de combustíveis fósseis, contribuindo para a crise climática que torna nossa floresta mais seca e inflamável, e ainda assim nos acusa de “incompetência” para lidar com suas consequências?

 

Apesar da narrativa internacional que insiste em minimizar nossas ações, o Governo do Amazonas tem liderado iniciativas significativas para combater as queimadas e mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Sob a liderança do governador Wilson Lima, o estado investiu na ampliação do programa de monitoramento ambiental por satélites, que permitiu detectar 45% das queimadas ainda em estágio inicial em 2023, reduzindo danos maiores. Além disso, foram criadas brigadas de combate ao fogo em comunidades vulneráveis, com treinamento especializado para 120 ribeirinhos.

 

Frente à severa estiagem de 2024, uma das piores das últimas décadas, o governador Wilson Lima lançou o programa SOS Enchente e Estiagem, que destinou R$ 100 milhões para garantir assistência alimentar, transporte de água potável e auxílio financeiro emergencial para famílias diretamente afetadas. O estado também reforçou parcerias internacionais para captar recursos voltados à conservação da floresta e mitigação de emissões de carbono.

 

São ações importantes, mas que acabam ofuscadas por um debate desigual, que revela não apenas o preconceito contra o Brasil, mas uma hipocrisia enraizada no discurso ambiental global. Países ricos, que por séculos devastaram suas florestas em nome do desenvolvimento, agora exigem padrões de sustentabilidade impossíveis para economias emergentes.

 

Precisamos entender que a Amazônia não pode ser reduzida a um símbolo de responsabilidade ambiental que só existe para servir e dar tranquilidade à consciência das potências mundiais.
A solução não está na culpabilização, mas na cooperação. O mundo precisa perceber que preservar a Amazônia exige investimentos internacionais concretos, em vez de críticas vazias. 

 

É necessário apoiar os povos da floresta com alternativas sustentáveis, investir em ciência, ampliar brigadas de combate ao fogo e compensar economicamente o Brasil pelo papel que desempenha em prol do planeta.

 

Enquanto a fumaça da desigualdade continuar obscurecendo o debate, será difícil enxergar soluções justas. Que as queimadas sejam uma oportunidade de união e não mais uma desculpa para perpetuar narrativas de exclusão e desigualdade. Afinal, o problema é global, e a solução deve ser também.

 

Marcellus Campêlo é engenheiro civil, especialista em Saneamento Básico e em Governança e Inovação Pública; exerce, atualmente, os cargos de secretário de Estado de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano – Sedurb e da Unidade Gestora de Projetos Especiais – UGPE

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