Fazendeiros e ex-chefe do Incra têm terras no assentamento Vila Amazônia

Fazendeiros e ex-chefe do Incra têm terras no assentamento Vila Amazônia Fotos: Igor de Souza Notícia do dia 08/04/2015

Durante a reunião com representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nesta terça-feira, 7, na Vila Amazônia, comunitários voltaram a formular denúncias contra a presença de grandes latifundiários, fazendeiros, funcionários públicos e empresários, entre outros não produtores, com propriedades na área. Comunitários manifestaram indignação e acusaram o órgão gestor do assentamento de ser conivente com os casos.

 

Desde a desapropriação pelo Governo Federal para fins de reforma agrária no final da década de 1980, no governo José Sarney, o Projeto de Assentamento (PA) Gleba Vila Amazônia tem problemas de distribuição de terras em uma área de 77 mil quilômetros quadrados, com mais de 300 quilômetros de ramais e estradas. A recente ocupação para expansão do núcleo urbano é considerada a ponta de iceberg diante da realidade.

 

O comunitário Widison Araújo citou os nomes do ex-chefe do Incra em Parintins, Carlos Augusto das Neves, e do funcionário de carreira do instituto, Marco Aurélio Cursino, que teriam terras no assentamento. “Na época que o Carlos Augusto foi chefe do Incra aqui na região, tirou uma quadra dentro da área urbana. Podemos mostrar a hora que for preciso, igualmente como o Marco Aurélio, que era representante do Incra, que tirou terreno”, declarou.

 

Carlos Augusto não atendeu as ligações da reportagem para falar sobre o assunto. Já Marco Aurélio Medeiros, em contato com o REPÓRTER PARINTINS, negou veementemente ter algum terreno na área. Ele esclareceu que, depois da saída da unidade avançada de Parintins, o Incra o designou para ser responsável pelo assentamento nos anos de 2005, 2006, 2007. Marco Aurélio nasceu na comunidade Miriti, na Vila Amazônia, onde passou a infância e a família tem forte tradição.

 

Direitos

O núcleo urbano da Vila Amazônia é destinado às famílias assentadas. “É o que diz a lei do projeto de assentamento. Todo e qualquer assentado tem direito a um lote. Muitos foram excluídos e não tem moradia na sede da Vila Amazônia, porque colocaram tantas outras pessoas. Na verdade, na época, quem veio para cá foi gente de Parintins e bem poucos assentados ficaram na área urbana”, desabafou Widison Araújo.

 

Existem ainda diversas propriedades particulares nas mãos de pessoas da zona urbana de Parintins no assentamento. “Aproximadamente 50% dos lotes do assentamento são usados nos finais de semana. Pessoas com poder aquisitivo construíram chácaras, sítios e área de lazer. O Incra é conivente e sabedor de tudo isso. Até hoje, as notificações nunca foram levadas a sério e ninguém saiu”, denunciou o comunitário.

 

O agricultor Ney Guerreiro de Almeida tem apenas 11 hectares de terras para plantar. “São os restos de terra que delimitaram. Tem fazendeiros com 200 e 300 hectares no assentamento. Muitas vezes causam prejuízos às plantações. O gado entra nas roças e não pagam os danos. Quem se sente prejudicado somos nós. Essa é a nossa maior briga, não é invadir terra do Incra. Queremos nossos lotes no núcleo urbano”, reclamou.

 

Medidas

 

O ouvidor agrário regional e chefe da divisão de ordenamento de estrutura fundiária do Incra no Amazonas, José Braga Brito, explicou que as providências serão tomadas em Manaus em relação aos grandes latifundiários, fazendeiros e funcionários públicos no assentamento Vila Amazônia. “Vai haver análise jurídica do Incra para verificar todas essas questões. Faremos relatório técnico sobre as denúncias apresentadas na reunião”, alertou.

 

Ele esclareceu que o núcleo urbano da Vila Amazônia atende quem não tem condições de morar nos lotes dentro do assentamento, mas diariamente trabalha na agricultura. “Na área urbana os filhos vão poder frequentar as escolas, luz, energia elétrica. Aqui tem assistência da família a essas crianças. Não pode se afastar do perímetro do assentamento. O núcleo urbano faz parte. Ninguém pode ter um lote e ir para Parintins”, pontuou.

 

Indagado se funcionário público pode ter lote no assentamento, José Brito afirmou que não, pois é vetado pelas regras, leis, portarias e instruções normativas. “Funcionários públicos, comerciantes, empresários, por exemplo, também não, porque o assentamento é definitivamente para os agricultores que precisam da terra para trabalhar, com fins rurais”, conclui o representante do Incra no Amazonas.

 

População

O Governo Federal desapropriou a extensa faixa de terra do PA Gleba Vila Amazônia em setembro de 1987. Dados de cadastramento do Incra de 2012 indicam 2.253 famílias assentadas, com estimativa de 15 mil pessoas, divididas em 63 comunidades. Esse índice representa média de 7 mil eleitores e mais de 10% de toda população de Parintins. Funcionam 45 escolas municipais dentro do assentamento, com 4.433 alunos matriculados.

O Governo do Estado tem 11 localidades de ensino tecnológico, com 1.939 estudantes matriculados. “Essa é a dimensão do assentamento. Apesar de ser o segundo maior assentamento do Amazonas e um dos maiores do Brasil, o Incra sequer tem um funcionário para atender os produtores. Se quisermos alguma coisa, temos de ir a Manaus. Consideramos uma irresponsabilidade. Essa é política do Brasil”, argumentou o agricultor Raimundo Rocha.

 

Os assentados clamam pela atenção pelo Governo Federal. Pela lei da reforma agrária e idade, o assentamento passou do tempo de ser emancipado. “O Incra já era para ter se retirado e entregado para o Estado ou Município. Infelizmente, por essa política do descaso, estamos com desordenamento fundiário no assentamento. Dentro, tem latifúndios. As regras e normas foram quebradas”, apontou.

 

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