Álvaro Gradim*
A Reforma da Previdência não é novidade no Brasil. Nesse escopo, a Constituição Federal já sofreu seis emendas desde sua promulgação, em 1988. Nenhuma, porém, foi tão abrangente e polêmica quanto a PEC 06/2019, em tramitação no Congresso Nacional, que afetará profundamente os trabalhadores, dos setores público e privado, que passarem à inatividade a partir de sua sanção. Já é consenso na sociedade que mudanças são cruciais para o equilíbrio fiscal, a consequente retomada da confiança dos agentes econômicos e a sustentabilidade do sistema. Considerando-se tais metas, parece-nos acertada a espinha dorsal do texto, apoiada no estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria, que atende à inequívoca necessidade de adaptação das normas ao aumento do índice de longevidade dos brasileiros.
No entanto, há pontos a serem revistos pelos legisladores para que a reforma também seja justa. Um deles refere-se aos cortes que atingirão diretamente os trabalhadores mais pobres e vulneráveis. O aumento do tempo mínimo de contribuição, um dos pilares da proposta, é outro tema controverso, levando-se em conta a alta informalidade do mercado de trabalho brasileiro, acentuada entre os mais pobres, e o momento no qual o desemprego atinge 12,5% da população economicamente ativa.
Uma previdência que se proponha "nova" deve prever o que é tendência no mundo do trabalho. Não basta tomar como premissas fatores econômico-financeiros e simplesmente fechar os olhos para as transformações do mercado e disparidades do País, com o risco de que o verdadeiro caos social – o do aprofundamento da desigualdade – recaia sobre todos nós...
Do ponto de vista dos servidores públicos, as implicações da PEC 06 também são bastante severas. Desde as eleições, as forças políticas que sustentam o Governo Bolsonaro têm se apoiado sobre a ideia de que são eles os grandes responsáveis pelo rombo da previdência e toda a fragilidade das contas do Estado. Assim, pela lógica desse raciocínio, caberá aos professores, aos integrantes do sistema de saúde, aos agentes penitenciários e policiais civis, carreiras que integram a base do funcionalismo público no Brasil, pagarem pela maior fatia dessa conta.
Os ônus serão altos, dada a aspereza das regras de transição. As mudanças atingem de modo mais contundente quem ingressou no serviço público até 2003. Pelas normas atuais, os servidores em geral têm direito à aposentadoria ao completar 60 anos de idade e 35 de contribuição (homens) ou 55 anos de idade e 30 de contribuição (mulheres). Segundo a PEC 06, para receber o benefício integral a que tem direito quem ingressou até 2003, será necessário completar 65 anos (homens) ou 62 anos de idade (mulheres).
Outra medida dura é a progressividade da alíquota de contribuição, que na prática passará a ter caráter de imposto. Hoje, o servidor já paga mais caro para se aposentar, com uma alíquota de 11%, independentemente do valor do provento. Vale lembrar, ainda, que os servidores públicos são os únicos trabalhadores que continuam pagando a previdência mesmo após aposentados, uma condição totalmente incomum, já que recolheram a contribuição durante todo o período em que estiveram na ativa. Mas, esse índice poderá chegar a 22% caso a tabela progressiva seja aprovada pelo Congresso. Trata-se de medida inconstitucional, porque funciona como imposto de renda e não como contribuição previdenciária, desrespeitando o Código Tributário Nacional.
O que o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, o financista Paulo Guedes, não gostam de dizer é que os servidores, nos diferentes níveis da Federação, são os primeiros a amargar com a incapacidade do Estado de gerir os recursos arrecadados, muitas vezes ficando meses sem receber salários ou benefícios, como vem acontecendo com o 13º de servidores públicos de diversos estados. Há, ainda, os que não têm reajuste real em seus vencimentos há anos, como é o caso dos professores da rede pública do Paraná. São muitos os exemplos em todo o País.
São esses mesmos servidores que seguem trabalhando para levar educação, saúde e segurança aos brasileiros que mais precisam. E tenho certeza, porque os conheço, que continuarão fazendo seu trabalho, apesar dos ataques e da reforma, pois sabem que os governos sempre passam, mas aqueles que dedicam suas vidas a servir ficam.
* Álvaro Gradim é médico pneumologista e presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (Afpesp).
Sobre a AFPESP
A Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP) é uma entidade sem fins lucrativos e direcionada ao bem-estar dos servidores civis estaduais, municipais e federais atuantes do território paulista. Fundada há oito décadas, é a maior instituição associativa da América Latina, com mais de 240 mil associados.
Está presente em mais de 30 cidades. Tem sede e subsede social no centro da capital paulista, 18 unidades de lazer com hospedagem em tradicionais cidades turísticas litorâneas, rurais e urbanas de São Paulo e Minas Gerais, além de 14 unidades regionais distribuídas estrategicamente no Estado de São Paulo.