João Baptista Herkenhoff*
Ao ligar a televisão ou abrir o jornal, ficamos sabendo da última delação premiada. O fato tornou-se tão corriqueiro que, para causar impacto, só mesmo a declaração de um delator afirmando que viu o demônio, em pessoa, travando um diálogo com Lula e Dilma Roussef.
Quando entre os delatores surpreendo pessoas que estiveram ao lado de Lula e de Dilma, recordo os “Versos íntimos”, de Augusto dos Anjos:
“A mão que te afaga é a mesma que te apedreja!”
Introduzida há poucos anos no Direito brasileiro, a delação é utilizada, de muito tempo, nos Estados Unidos, onde Joseph Raymond McCarthy tornou-se o mais famoso delator. Eleito para o Senado pelo Partido Republicano, liderou o Comitê de Atividades Antiamericanas.
Do seu nome próprio resultou o substantivo macartismo – prática de formular acusações ou insinuações sem provas.
Isto foi nos Estados Unidos. E no Brasil?
No Maranhão, em 1684, Manuel Beckman, que defendia interesses do seu Estado, é levado ao cadafalso, em razão de denúncia de um protegido seu, Lázaro de Melo.
Na Paraíba, o fazendeiro João da Cunha assassina, traiçoeiramente, o sargento-mor Felix Antônio, líder da Confederação do Equador nessa província. Esse Cunha antigo (não o Cunha atual) pretendeu receber prêmio em dinheiro, oferecido por D. Pedro.
Em Goiás, nos idos da Independência, Maria Gertrudes recebe favores do capitão-general D. Manuel Inácio Sampaio, para espionar e dedurar os patriotas ligados ao padre Bartolomeu e ao soldado Nazaré, que são enforcados.
O caso mais emblemático é o de Joaquim Silvério dos Reis que, pelo fato de dever vultosa soma de impostos à Coroa, traiu Tiradentes, culminando com o enforcamento deste herói, em 21 de Abril de 1792.
Na maioria das situações a delação premiada tem pouca eficácia, uma vez que a prova relevante, no Direito Penal moderno, é a prova pericial, técnica, científica, e não a prova testemunhal e muito menos o testemunho pouco confiável de pessoas condenadas pela Justiça.
Ao premiar a delação, o Estado eleva ao grau de virtude a traição. Em pesquisa sócio-jurídica que realizamos (Crime, Tratamento sem Prisão), constatei que, entre os presos, o companheirismo e a solidariedade granjeiam respeito, enquanto a delação é considerada uma conduta abjeta.
A atitude, que merece escárnio dos presos, granjeia a homenagem dos dirigentes do país? Pretende-se instalar no Brasil um período semelhante ao do Terror, na França?
Não me manifesto sobre delação premiada apenas agora, quando o tema está relacionado a fatos do momento.
Já em 11 de setembro de 2005, em entrevista concedida ao jornal A Gazeta, de Vitória, expressei opinião contrária a esse caminho tortuoso de apurar crimes.
*João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado (ES) e escritor. E-mail: [email protected]
Site: www.palestrantededireito.com.br
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