A preservação da Amazônia no festival folclórico: entre o migué e a realidade

A preservação da Amazônia no festival folclórico: entre o migué e a realidade Foto: Arquivo pessoal Notícia do dia 12/11/2019

Por Phelipe Reis *

 

“O índio chorou. O branco chorou. Todo mundo está chorando. A Amazônia está queimando. Ai, ai, que dor. Ai, ai, que horror”.

 

De Parintins para o mundo, Emerson Maia eternizou o Lamento de Raça denunciando uma Amazônia em chamas. Desde meados de noventa, a melodia vermelha mostra que a preservação do meio ambiente já era uma bandeira cantada no Festival Folclórico de Parintins, advertindo que “matar a mata não é permitido”. De lá para cá, muita coisa mudou. Preservar a Amazônia tornou-se um imperativo cada vez mais urgente e vem ganhando mais atenção ainda no discurso das agremiações folclóricas.

 

Entretanto, uma observação atenciosa denuncia uma grande contradição entre o discurso e a prática. A luta contra o desmatamento e as queimadas parece ficar apenas nas letras das toadas e na encenação, enquanto na realidade, o azul e o vermelho têm deixado muito a desejar no que se refere a ações práticas para cuidar da nossa casa comum.

 

Um exemplo claro desse descaso com o meio ambiente é o abandono das alegorias nas proximidades do Bumbódromo. Após as três noites de apresentação, a beleza e o brilho das gigantes alegorias se perdem e se transformam em sujeira e lixo, espalhados pela Praça dos Bois.

 

À medida em que o discurso de defesa do meio ambiente ganha força, é preciso refletir se de fato as agremiações estão interessadas na proteção da natureza ou se a aparente preocupação vai ficar apenas no discurso ideológico e politicamente correto. Afinal, o que está em jogo é o título ou a sobrevivência dos povos da Amazônia?

 

Neste sentido, é preciso fazer alguns questionamentos, como por exemplo: quanto do material usado para confecção de alegorias, fantasias e adereços é ecologicamente correto? Quanto do material – isopor, plástico, papelão, etc. – é reciclado após a apresentação? As agremiações possuem alguma política para tentar reduzir ao longo dos anos a quantidade de isopor e plástico que utilizam?

 

Atrás do galpão principal do Boi Caprichoso existe uma montanha de resíduos sólidos. O que se pretende fazer com esse material? Como ele será descartado de forma que prejudique o mínimo possível o meio ambiente? 

 

A Coca-Cola, uma das maiores investidoras do festival, é também a maior poluidora de plástico do mundo [1]. Estudos apontam que até 2050, haverá mais plástico do que peixes nos oceanos [2]. Será que nossos rios também terão mais latinhas de Coca-Cola do que peixes? Se as agremiações se preocupam de fato com a natureza, porque não cobram da sua parceira, Coca-Cola, uma postura mais sustentável e responsável?

 

Proteger a Amazônia implica ter responsabilidade pelos resíduos que são produzidos no festival. Mais que bradar, cantar e falar bonito, é preciso agir, urgentemente. Caso contrário, toadas lindas continuarão sendo cantadas, mas apenas como discursos vazios, para gringos e acadêmicos aplaudirem, até chegar o dia em que assistiremos da arquibancada especial, com nossos próprios olhos, nossos rios e lagos secarem, nosso verde morrer, nossa biodiversidade desaparecer, e junto com ela, nós e o tão bonito festival.

 

 * Parintinense, formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Amazonas.

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