João Baptista Herkenhoff*
Dom Hélder Câmara vai ser canonizado.
Fico boquiaberto ao lembrar que apertei a mão de um sanro, quando ele ainda vivia neste mundo. E mais que isto: falei com o santo.
Quando já marquei, no calendário, oitenta e três anos de vida, essas lembranças trazem-me conforto espiritual.
Meu último encontro com Hélder Câmara aconteceu no Recife, em 1997, dois anos antes da partida do santo em direção à morada definitiva, certamente mais confortável que a modesta morada que ele habitava, na periferia da capital de Pernambuco, onde era vizinho dos pobres e abandonados.
Quando tomou posse como Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Hélder habitou o imponente Palácio Episcopal. Mas não se sentiu bem nesse nobre endereço. Vendeu o imóvel e aplicou o dinheiro na construção de casas para os pobres. Decidiu morar na periferia que, ali sim, estaria junto daqueles que mais ele amava.
A primeira coisa que observei, ao chegar (os juízes aprendem a observar detalhes), foi a total falta de proteção na casa. Embora isto não fosse da minha conta, supus que era de meu dever admoestá-lo:
Dom Hélder, o senhor anda falando coisas que não são do agrado dos poderosos. Será fácil praticar aqui um assassinato, sem deixar pistas.
Ele respondeu com um gesto e uma frase. Curvou a cabeça e disse: Está vendo estes fios de cabelo que ainda restam? Não cai um único fio sem que Deus permita.
Eu respondi: o senhor é um homem de Fé, Dom Hélder. Minha Fé tem o tamanho de um grão de mostarda. Peço a Deus que este encontro com sua pessoa, que esta vinda a sua casa, aumente minha Fé.
Fui atendido. Depois desse dia acreditei com muita mais força e vigor no Cristo de Dom Hélder Câmara.
Por que usei a expressão Cristo de Dom Hélder Câmara? Que Cristo é esse?
É o Cristo na visão do profeta Hélder. Não é o Cristo que fica dentro das igrejas. Não é apenas o Deus que se fez homem. É o Cristo que está nas periferias, nas prisões, nas filas quilométricas dos hospitais, nas filas do Bolsa Família, nos corredores dos fóruns pedindo Justiça.
Foi a esse Cristo Vivo, não ao Cristo histórico, foi a esse Cristo que Hélder Câmara dedicou sua vida.
*Juiz de Direito aposentado (ES) e professor
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